Os militantes que assinam esta declaração decidiram desvincular-se do Bloco de Esquerda.
A nossa ruptura é imposta pelas posições abertamente pró-imperialistas tomadas pela direcção do BE em várias ocasiões recentes, particularmente nos casos da guerra na Ucrânia e da guerra contra o povo palestiniano.
Estas posições inscrevem-se numa longa sucessão de posições do BE contrárias aos interesses dos trabalhadores e do socialismo. Militantes, activistas, trabalhadores, jovens empenhados em construir um partido dos trabalhadores, independente do Estado e do capital – luta que pretendemos continuar a travar – , não o podem fazer numa organização votada à defesa do Estado e da ordem da União Europeia e da NATO e que vive de costas voltadas para o mundo do trabalho.
Nos anos mais recentes, a direcção do Bloco de Esquerda
– assinou acordos de apoio ao governo, em 2015, em que aceitava a submissão aos “compromissos externos do país”, ou seja, aos tratados da UE e da NATO; votou, depois, sucessivos orçamentos de austeridade mandatados pela Comissão Europeia;
– votou, no “Parlamento” Europeu, várias resoluções que apelavam ao fornecimento de armas ao regime capitalista mafioso da Ucrânia, ao rearmamento da NATO e à pilhagem dos orçamentos nacionais para financiar a militarização e a guerra, submetendo-se à política de guerra do imperialismo americano;
– votou uma resolução de apoio e incentivo à contra-ofensiva genocida do Estado sionista contra o povo palestiniano, no mesmo Parlamento Europeu*;
– internamente, a direcção do Bloco tem asfixiado progressivamente o debate interno, desmantelado sistemática e intencionalmente as suas próprias ligações ao movimento operário organizado; proíbe a formação de núcleos militantes; e tornou-se inteiramente dependente do financiamento do Estado;
– em coerência com esta política, adopta a linguagem do Estado capitalista e abandona a da luta de classes. “Leva a sério os interesses do país” (capitalista), em vez de levar a sério os interesses dos trabalhadores. Fala da “Europa” com evidente esperança, escondendo que a União Europeia é inimiga dos trabalhadores e povos da Europa. Diz que defende um “modelo de desenvolvimento para o país”, quando, no país, há e chocam-se dois “modelos de desenvolvimento” incompatíveis: 1) no poder, o “modelo de desenvolvimento” dos lucros, baseado na precariedade, nos baixos salários, no pagamento da dívida, no PRR, na obediência à UE e ao BCE e nas guerras; 2) nos locais de trabalho e na rua, o “modelo de desenvolvimento” dos salários e direitos dos trabalhadores, o modelo “da paz, pão, habitação, saúde e educação”, que depende da luta sindical e política contra o capital e que só um governo dos trabalhadores poderá garantir.
Os signatários foram fundadores do Bloco ou membros e fundadores das organizações precursoras do Bloco, como a LCI/PSR e a UDP/PC(R). Publicam, há alguns anos, o boletim “O Trabalho“. Apoiam a luta por uma Internacional Operária e os esforços de unidade nesse sentido promovidos pelo Comité de Organização pela Reconstituição da IVª Internacional.
Queremos dar a conhecer aos militantes, trabalhadores e jovens as seguintes reflexões que nos levam à conclusão referida.
Pensamos que os trabalhadores devem ter um partido seu, independente da burguesia e do Estado, sem outra referência a não ser os interesses materiais e espirituais dos trabalhadores assalariados, neste país e no mundo; um partido cujo objectivo seja o derrube do capitalismo e da exploração do homem pelo homem e uma sociedade em que o poder e a propriedade dos grandes meios de produção pertençam aos trabalhadores organizados: o socialismo, a Internacional.
O capitalismo imperialista da nossa era vai de crise em crise, em obscena decadência. A única maneira que tem de “resolver” as suas crises é a pilhagem crescente do mundo e da natureza e guerras cada vez mais destruidoras: guerras sociais contra os trabalhadores, os seus salários e as suas conquistas, que empobrecem as populações até nos países mais ricos; e guerras contra os países que não se submetem inteiramente aos interesses dos mais poderosos, sobretudo aos interesses do capitalismo americano.
O imperialismo, com a NATO, seu braço armado, braços financeiros como o FMI e a ajuda da União Europeia e das potências europeias subalternas, provocou guerras em todo o Médio Oriente e nos Balcãs; cercou o regime capitalista mafioso da Rússia até incendiar a Ucrânia; ameaça persistentemente a China, país onde se mantêm ainda conquistas significativas da revolução chinesa e correspondentes restrições à livre penetração dos capitais e mercadorias americanos, apesar do regime burocrático que oprime os trabalhadores.
O imperialismo usa agora o Estado sionista de Israel para destruir o povo palestiniano e espalhar o caos e a destruição no Médio Oriente, berço da civilização.
O espectro de uma 3ª guerra mundial adensa-se, assim, cada dia.
Em Portugal, os sucessivos governos ficaram reduzidos a executores de políticas decididas em Bruxelas segundo os interesses económicos e políticos das potências maiores e, principalmente, do capital americano.
Depois dos devastadores cortes de salários e pensões e da imensa precarização do trabalho no período da troika, os governos que se lhe seguiram aceitaram manter a submissão às normas e ditames dos tratados europeus, da NATO e do FMI, ao pagamento da – ilegítima – dívida externa e à “redução do défice”.
Continuaram, assim, a cortar no valor real dos salários: directamente, no caso dos trabalhadores do sector público. Mais intensificaram uma ofensiva brutal contra a componente colectiva do salário dos trabalhadores portugueses: o serviço nacional de saúde, o ensino público, os transportes públicos, a habitação popular, condenados à destruição pelos cortes drásticos no investimento público e pelas privatizações. Atiraram para a pobreza sectores crescentes da população.
Ao desvincularem-se do Bloco de Esquerda, os militantes que assinam este texto decidem manter-se unidos e formar um Comité por um Partido dos Trabalhadores, que, com outros militantes e grupos convencidos desta necessidade, lutará pela construção de uma verdadeira alternativa política de classe para o movimento dos trabalhadores e da juventude em Portugal.
Aos militantes do Bloco que se mantêm apegados à defesa dos interesses dos trabalhadores e à luta pelo socialismo, propomos que reflictam na necessidade de mudar decisivamente de rumo e retomar a luta anticapitalista e anti-imperialista.
26 de Dezembro de 2023
Bento Correia, Sintra
José S. Henriques, Sintra
Adriano Zilhão, Lisboa
* Uma semana mais tarde, o Bloco pediu para reverter o sentido do voto – ficando, é claro, inalterado o efeito prático do voto inicial. O Bloco não deu explicação séria aos trabalhadores sobre a sua inacreditável capitulação ao imperialismo e ao sionismo. Pior, agora, quando Biden e os seus acólitos, incluindo a ONU, desenterram a chamada “solução de dois Estados” como expediente face ao movimento mundial de massas contra o genocídio, o Bloco faz-se, por sua vez, advogado desta “solução”. A “solução de dois Estados” serviu, pelos acordos de Oslo, para destruir a OLP; foi logo sumariamente enterrada pelo Estado sionista e pelo imperialismo americano. Assinale-se que esta pretensa “solução”, oposta à de uma Palestina laica, democrática e una “do rio até ao mar”, significaria, entre outras coisas, a manutenção do regime de apartheid na maior parte da Palestina histórica.