Comemorou-se há dias o centenário da morte de Lenin, o revolucionário russo que dedicou toda a sua vida à emancipação da classe trabalhadora e foi o principal dirigente da revolução russa de 1917.
A revolução russa marcou uma mudança fundamental do curso da história. Na Comuna de Paris, em 1871, o proletariado tomara o poder político pela primeira vez na história. Porém, apenas o conseguiu conservar durante alguns meses.
Em 1917, os trabalhadores russos constituíram o primeiro Estado operário da história. Não se ensina nas escolas que grande parte dos direitos progressistas que hoje se consideram características “naturais” da democracia (burguesa!) foi criada pela revolução russa: a proibição do trabalho nocturno e a igualdade de direitos das mulheres, o sufrágio universal, a jornada de oito horas, e tantas outras.
Independentemente do que depois aconteceu, as conquistas da revolução de Outubro perdurarão como marco fundamental na história da humanidade.
Lenin baseou-se no trabalho científico e militante de Engels e Marx. Reconheceu, com Rosa Luxemburgo, a passagem do capitalismo à era do imperialismo, “estádio supremo do capitalismo”. Na viragem do século XIX para o XX, o capitalismo entrava numa fase de decadência e podridão, em que a destruição de forças produtivas se sobrepunha ao seu desenvolvimento: a “era das guerras e revoluções”.
Para garantir a paz e o desenvolvimento da sociedade humana, tornava-se indispensável fundar um novo modo de produção e organização social, o socialismo.
Porém, para a revolução socialista poder vencer, era um imperativo político e prático para o proletariado dispor do instrumento de um partido e um programa independente.
A representação política das classes subalternas em geral e do proletariado em particular encontra muitos obstáculos. Em qualquer época, salvo, em parte, em situações revolucionárias, as ideias dominantes são, por definição, as ideias da classe dominante.
Os trabalhadores formam a sua consciência de classe própria nas suas lutas imediatas, “economicistas e sindicalistas“, a que a irredutível exploração capitalista constantemente os obriga, se quiserem sobreviver.
Mas Lenin reconheceu que esse “movimento natural” só se podia transformar num movimento político revolucionário capaz de transformar o mundo se os dirigentes que se destacam nesses processos se organizassem e educassem como força consciente de vanguarda, com a ajuda da teoria marxista, “sem a qual não pode haver movimento revolucionário”.
Lenin empenhou-se a fundo na tarefa de, antes e em preparação da eclosão dos acontecimentos revolucionários, construir um partido disciplinado, de quadros, “revolucionários profissionais”, solidamente ancorado no marxismo, que, chegado o momento, pudesse ajudar a classe trabalhadora a tomar e manter o poder. O método: agitação política, propaganda socialista e, sobretudo, intervenção directa nas, e ao lado das, lutas dos trabalhadores.
Lenin compreendeu que, caso contrário, as revoluções acabariam em derrotas da classe operária – como a história veio a demonstrar em numerosos casos.
Com outros dos primeiros militantes sociais-democratas russos (nome de quase todos os partidos operários na época da IIª Internacional), criou o jornal Iskra (“Centelha”) como instrumento de “luta resoluta e persistente para defender os fundamentos do marxismo”, “novamente colocado na ordem do dia”.
No livro Que Fazer, escrito num período de retrocesso teórico e de revisionismo dentro da social-democracia russa e internacional, Lenin centrou-se nas questões de organização e orientação política na construção do partido: centralismo democrático (discussão totalmente livre, seguida de aplicação por todos da posição maioritariamente decidida); conceito de vanguarda e de quadros profissionais; centralidade da teoria revolucionária na luta política e ideológica; planeamento da actividade e da intervenção; agitação e propaganda para educar politicamente e desenvolver a consciência revolucionária das massas.
A época de Lenin caracterizou-se, em geral, por um enorme desenvolvimento do movimento operário internacional, que foi ganhando elevada consciência de classe e organização de massas em sindicatos, escolas, cooperativas, associações culturais operárias.
A derrota das revoluções socialistas nos principais países capitalistas da Europa a seguir à Iª Grande Guerra deixou a Rússia soviética isolada. Isso propiciou uma contra-revolução política na própria União Soviética: embora sem poder restaurar o capitalismo (só o conseguiria no final dos anos oitenta), a burocracia do Estado apoderou-se do poder e esmagou o velho partido de Lenin.
Consequências directas e indirectas desses acontecimentos foram a falência da IIIª Internacional, o ascenso do fascismo, a Segunda Guerra Mundial e, em última análise, o trágico fim da União Soviética e o correspondente recuo dos direitos dos trabalhadores no mundo. A consciência das massas recuou.
Desde os últimos anos do século XX, a teoria marxista foi relegada para um estado de quase esquecimento ou “domesticação” nos círculos intelectuais. Porém, ao manter-se e agravar-se a decadência profunda do capitalismo, ao manterem-se e agravarem-se as circunstâncias que deram origem às análises de Marx, o marxismo mantém-se bem vivo como “filosofia do nosso tempo”.
E, nos anos mais recentes, da intensificação da guerra do capital contra o trabalho têm resultado grandes movimentos de resistência, por vezes de sublevação de massas.
A miserável falência das velhas direcções sociais-democratas e estalinistas (mas também das “novas esquerdas” (Syriza, Bloco de Esquerda, Podemos…), que carregam às costas traições sucessivas aos trabalhadores e jovens em todo do mundo, faz com que tome, também, forma um processo de recomposição política no movimento operário, cada vez mais visível nos protestos, na luta e na reconstrução da consciência da classe operária.
Este processo é uma condição prévia para reconstruir um movimento da classe trabalhadora que possa desafiar o poder do capital e conduzir ao socialismo.
Lenin readquire, assim, plena actualidade. Não temos um partido e uma Internacional revolucionários. Em Portugal e nos outros países, necessitamos urgentemente de os construir.
Nós queremos contribuir decisivamente para a sua construção.