Pela aliança entre trabalhadores das cidades e do campo
Por todo o país, ao anúncio de cortes significativos dos subsídios pelo governo, camponeses e agricultores têm ocupado estradas e entradas de cidades e instituições do Estado.
O movimento foi espontâneo, auto-organizado. Não foi convocado pela confederação que representa os grandes “empresários agrícolas”, a CAP.
Os balbuciamentos do governo de que os cortes foram um “erro de comunicação” do IFADAP não colheram. Apesar das promessas de restauração dos subsídios, o movimento não desarmou.
São agravos de longa data do mundo camponês que se destapam.
O movimento não se limita, aliás a Portugal. Alastra pela Europa como incêndio em eucaliptal.
No dia 1 de Fevereiro, mais de mil tractores e milhares de manifestantes belgas, franceses, espanhóis, italianos, portugueses, alemães, etc., concentraram-se frente ao Parlamento Europeu enquanto decorria a cimeira dos vinte e sete chefes de Estado e de governo da UE.
A Comissão Europeia “chamou os bombeiros”. Apressou-se a cancelar o agravamento de normas em matéria de uso de pesticidas. Estas novas normas foram anunciadas, como é costume, em nome da saúde e da natureza. Porém, os seus efeitos de aumento de custos e redução da produtividade recaem directamente nos agricultores e consumidores, não no grande capital, único responsável pelo prejuízos que tais produtos causam.
O campo asfixiado
Os agricultores, sobretudo os pequenos camponeses que ainda restam em vários países europeus, encontram-se numa situação dramática. Os preços das produções agrícolas formam-se num longínquo mercado mundial, dominado por especuladores em bolsas agrícolas, como a de Chicago. À medida que entram em vigor acordos de comércio livre, a concorrência da produção em países em que normas e custos não são os mesmos faz-se sentir cada vez mais.
Nos mercados nacionais e europeu, os agricultores estão entalados entre gigantescos grupos multinacionais que controlam e manipulam os preços dos factores de produção (fertilizantes, pesticidas, sementes, combustível) e gigantescos grupos multinacionais da grande distribuição, que lhes esmagam os preços à saída da exploração.
Só em Portugal, os cinco maiores grupos da distribuição alimentar (Jerónimo Martins, Lidl, Continente Hipermercados, Mercadona, Grupo Auchan) concentram 73% do mercado. Todos eles distribuem aos accionistas milhões roubados aos pequenos agricultores, a quem compram ao preço mais baixo, e aos consumidores, a quem vendem por vezes pelo quíntuplo.
Para sobreviver, os agricultores dependem inteiramente dos subsídios da Política Agrícola Comum (PAC), determinados pelos governos e pela Comissão Europeia.
Ora, segundo dados da própria Comissão Europeia, em média, na UE, 83% da superfície agrícola em uso é detida pelos 20% maiores beneficiários da PAC.
Estes 20% recebem 81% das ajudas directas da PAC.
O campo vive uma enorme concentração da propriedade em grandes explorações intensivas e capital-intensivas. Grandes grupos capitalistas e fundos especulativos investem em muitas delas – mas também na compra de enormes fatias dos melhores terrenos agrícolas, por exemplo na Ucrânia, onde produzem a baixo custo.
A PAC ao serviço do grande capital financeiro e agrário
Desde que a PAC foi introduzida, o número de pequenos camponeses não pára, assim, de cair. São aos milhares os que abandonam a actividade, vendem ou abandonam as terras. Uma das consequências, diga-se de passagem, são os grandes incêndios florestais.
A agricultura assemelha-se cada vez mais à “cidade”. Há, nela, interesses de classe opostos.
De um lado, os grandes empresários agrícolas, que dominam, muitas vezes com interesses na grande produção e distribuição ou noutros sectores capitalistas. Do outro, os pequenos, espremidos até caírem.
Os “pequenos empresários” de tantos sectores, agrícolas como não agrícolas, não passam, na realidade, de assalariados disfarçados – “terceirizados” pelo grande capital, que neles prefere delegar a gestão dos pequenos canais de produção e distribuição e do pessoal correspondente. O capital evita, assim, grandes concentrações de trabalhadores na própria empresa, que incentivariam a sindicalização e a reivindicação e tornariam mais difícil o não acatamento flagrante da legislação laboral, sanitária, etc.
Na agricultura, os pequenos camponeses desempenham idêntico papel. Sendo “explorações” independentes, o rendimento de que dispõem é a diferença entre custos e preços sobre que não têm nenhuma influência. Pode facilmente reduzir-se a nada. O que permanece é o incentivo para empregarem mão-de-obra ao custo mais baixo possível, ainda que importada e controlada por traficantes e sujeita a condições de vida degradantes.
Os pequenos camponeses têm interesse
em aliar-se aos trabalhadores da cidade e do campo
Mal se ouve falar dos mais explorados de todos: os assalariados agrícolas, grande parte deles imigrantes pobres e semi-escravizados.
Na realidade, a única salvação dos pequenos camponeses está, por um lado, na ruptura com as políticas da União Europeia, que servem os grandes empresários agrícolas e a grande finança. Por outro, na aliança com os operários e trabalhadores das cidades e do campo, apoiando, por exemplo, as suas reivindicações de aumentos salariais, única verdadeira forma de aumentar o escoamento, os mercados de produtos alimentares.
Os trabalhadores da cidade e do campo precisam de recuperar a soberania e a democracia, que os tratados europeus entregaram ao grande capital e à burocracia de Bruxelas ao seu serviço. É preciso que a voz e o voto de quem trabalha possa recuperar efeito na política do país, afectar realmente os seus interesses – não escolher apenas quem aplicará medidas contra eles.