Cronologia de uma guerra longamente preparada

Inicialmente conhecida como Aliança Atlântica, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN/NATO) foi fundada em 1949 com o objetivo primeiro, de “actuar como um obstáculo à ameaça de expansão soviética na Europa após a Segunda Guerra Mundial”. Por outras palavras, tratou-se da criação de uma organização militar de iniciativa do imperialismo americano para, no contexto político do pós-guerra deter um possível avanço do comunismo na Europa (e no mundo).

A 9 de Novembro de 1989 caía o muro de Berlim.

A 3 de Outubro de 1990 dá-se a reunificação da Alemanha.

Em 31 de março de 1991, foi extinto o Pacto de Varsóvia, fundado em 1955 pela União Soviética e seus satélites, em contraposição à NATO e em resposta à inserção da Alemanha em alianças militares ocidentais. As estruturas militares da aliança militar do Leste Europeu deixaram de existir no dia 31 de março de 1991. Estaria, na linguagem das “relações internacionais” extinta a razão de ser da NATO. E, no entanto, esta não foi também dissolvida; pelo contrário, a administração americana começou a desenvolver planos para a sua expansão para Leste; a “abertura de novos mercados” decorrente da dissolução da União Soviética tornava-se, então, num objectivo central do imperialismo americano.

A 8 de Dezembro de 1991, os líderes das três principais repúblicas soviéticas, Rússia, Ucrânia e Bielorrússia, assinaram um acordo que declarou a dissolução da União Soviética.

No meio da intensa instabilidade política e económica na Rússia na década de 90, “a oposição à expansão da NATO foi uma das poucas questões que uniram o espectro político fragmentado do país”, de acordo com documentos tornados públicos, do Arquivo de Segurança Nacional na Universidade George Washington, nos Estados Unidos.

Acreditamos que a expansão da NATO para o leste é um erro. e um erro sério“, afirmou Boris Yeltsin, o primeiro presidente pós-soviético da Rússia, numa entrevista coletiva em 1997, ao lado do então presidente dos EUA, Bill Clinton, em Helsinquia, onde os dois assinaram uma declaração sobre controlo de armamento.

De facto, os documentos mostram um padrão de promessas que os negociadores americanos fizeram aos seus homólogos russos, bem como discussões de política interna que se opõem à expansão da NATO para o Leste Europeu.

No cenário atual, não é do interesse da NATO ou dos EUA que os Estados [do Leste Europeu] recebam a adesão plena à NATO e as suas garantias de segurança“, diz um memorando do Departamento de Estado americano em 1990, quando esses países ainda estavam emergindo do controle soviético, à medida que se desintegrava o Pacto de Varsóvia. “Não desejamos, de forma alguma, organizar uma coligação antissoviética cuja fronteira seja a fronteira soviética. Tal coligação seria percebida de forma muito negativa pelos soviéticos.

Em 26 de Março de 1997, apenas alguns dias após a cimeira de Helsínquia entre o Presidente americano Bill Clinton e o Presidente russo Boris Yeltsin, Michael Mandelbaum (especialista norte americano em política externa dos EUA que leccionou na Academia Naval dos EUA e na Universidade de Harvard) discursou no almoço anual da Associação de Controlo de Armas (ACA). Os parágrafos seguintes são a secção final desse discurso:

(…) “Há um problema ainda maior com a expansão da NATO. Põe em perigo todos os acordos pós-Guerra Fria, nos quais se inserem os acordos de armamento pós-1987. Esse acordo é extraordinariamente favorável aos Estados Unidos. Foi feito à medida das nossas especificações. A libertação da Europa de Leste em 1989 era algo que exigíamos desde 1945. De facto, a libertação da Europa de Leste eliminou a causa básica da Guerra Fria. A dissolução da União Soviética em 1991 foi um acontecimento tão favorável ao Ocidente que nunca imaginámos que fosse possível. E é crucial que todas estas mudanças tenham sido voluntárias; primeiro a União Soviética e depois a Rússia concordaram com elas. Assim, o acordo pós-Guerra Fria tem uma certa legitimidade aos olhos da Rússia. Porque este acordo é tão extraordinariamente favorável para nós, essa legitimidade é um activo inestimável para o Ocidente. Mas, com a expansão da NATO, corremos o risco de a desperdiçar.

O acordo pós Guerra Fria assenta em três princípios, todos eles violados pela expansão da NATO.

O primeiro é o princípio do consenso, segundo o qual as mudanças serão feitas com a aquiescência de todos. A expansão da NATO, contudo, é a primeira grande mudança na arquitetura de segurança da Europa a ser feita sem as objecções da Rússia.

O segundo princípio subjacente ao acordo pós Guerra Fria é a inclusão, o que significa que a Rússia será bem-vinda à comunidade internacional em geral e a organizações internacionais específicas na medida em que esteja disposta e seja capaz de aderir a elas.Mas a expansão da NATO é um ato de exclusão.Traça uma nova linha de divisão na Europa onde antes não existia nenhuma, e coloca a Rússia – e não apenas a Rússia – do outro lado dessa linha.

O terceiro princípio está incorporado tanto na ordem de segurança comum como um todo como nos tratados de armamento que são tão importantes para ela: a transparência.A expansão da NATO é o oposto de transparente.O governo americano tem afirmado que a expansão será ilimitada e que haverá mais expansões depois da primeira, mas recusa-se a dizer onde, quando ou segundo que critérios essa expansão terá lugar.

Qual é o perigo em tudo isto? Não é que a Rússia seja capaz de travar a expansão. A Rússia é demasiado fraca para o fazer. Também não existe, penso eu, um perigo imediato de que os russos saiam das restrições dos tratados de armamento que assinaram. São demasiado pobres para o fazer agora. Pelo contrário, o perigo que a expansão da NATO representa para o acordo pós Guerra Fria surge a longo prazo. O risco é que, aos olhos da classe política russa – e, portanto, em última análise, aos olhos do cidadão comum russo – a expansão da NATO deslegitime todo o acordo e torne um objetivo central da política externa russa no século XXI anular o que foi posto em prática.

Isto não é, para dizer o mínimo, um resultado desejável. Se isso viesse a acontecer – se voltássemos a uma Europa de blocos militares, equilíbrios de poder e hostilidade política – não há dúvida de que os Estados Unidos e os seus aliados conseguiriam aguentar-se. Poderíamos, uma vez mais, dissuadir a Rússia, se fosse necessário. Mas isto não seria necessariamente fácil, não seria necessariamente barato e não estaria certamente isento de riscos.

Uma coisa, porém, é certa: Se, daqui a 25 anos, olharmos para este período como um ponto de viragem, o momento em que a ordem de segurança comum se dissolveu e a Europa regressou ao tipo de equilíbrio de poderes tão familiar na história, um ponto será indiscutível: isto não tinha de acontecer.

Em 12 de Março de 1999 foram integradas na NATO a República Checa, a Húngria e a Polónia; a 29 de Março de 2004 a Bulgária, a Estónia, a Letónia, a Lituânia, a Roménia, a Eslováquia e a Eslovénia; a 1 de Abril de 2009 a Albânia e a Croácia; A 5 de Junho de 2017 o Montenegroe a 27 de Março de 2020 a Macedónia do Norte.

Todos estes alargamentos da NATO são levados a cabo sob protesto da Rússia:

A preocupação russa é factual: vê a NATO como uma ameaça à sua segurança. De acordo com o artigo 5° do tratado do atlântico norte, os estados signatários acordam que um ataque armado contra um ou mais membros da NATO infere em mútua assistência entre os membros, incluindo a possibilidade de uso das forças armadas para restaurar e manter a segurança (NATO,1949). a questão remete um peso ainda maior ao projecto de expansão da instituição, principalmente no momento em que a sua terceira fase faz alusão à adesão da Ucrânia e da Geórgia ao bloco, aproximando-se significativamente da fronteira russa. Assim, os eventos no Kosovo sublinharam mudanças no padrão de comportamento e de política externa que a Rússia vinha levando a cabo até então. Para Moscovo trata-se da formação de pequenos protectorados norte-americanos ao longo das suas fronteiras, impactando numa questão de segurança própria, senão de sobrevivência. O intervencionismo da NATO obrigou Moscovo a posicionar-se com firmeza a fim de conter as ações militares do bloco à sua volta, e em defesa do seu posto no tabuleiro das decisões internacionais” (McGuigan, 2009; Arbatov, 2003).

A 21 de fevereiro de 2014, cinco potências negoceiam na Ucrânia, dividida entre impérios há séculos. Lituânia, Polónia, Rússia, Áustria… Foi em 1921, no rescaldo da Revolução Russa, que a Ucrânia se tornou uma nação.

Nesse dia, a Alemanha, a Polónia e a França (mas não os Estados Unidos) negociaram com a Ucrânia e a Rússia.

Na crise desencadeada pelas manifestações em Kiev, que exigiam a adesão da Ucrânia à União Europeia, todos avançaram os seus peões. O muro de Berlim já tinha caído há demasiado tempo para não por em marcha um novo equilíbrio de poderes.

Chegou-se a um acordo, com a abstenção da Rússia. Mas, nessa mesma noite, as forças em acção na Praça Maïdan rejeitaram-no. O presidente fugiu e tudo ficou preparado; um passo mais perto da guerra.

A 26 de Fevereiro milícias pró russas avançaram na Crimeia, constituindo um novo governo e anunciando (no dia seguinte) um referendo sobre a independência da Ucrânia. Em resultado deste referendo, contestado por Kiev e pelo “ocidente”, a Crimeia integrou a Federação Russa, situação que se mantinha em 2022.

No início de Março de 2014, instalou-se uma situação de conflito no Donbass entre milícias separatistas (pró russas) e tropas de Kiev que se manteve até 2022.

A 24 de Fevereiro de 2022 a Rússia invadiu a Ucrânia com a “justificação” de manter a sua zona de influência na porção oriental do território europeu, evitando o ingresso da Ucrânia na NATO.