O partido dos trabalhadores e a guerra

Estados Unidos, 1941. Os marxistas americanos enfrentam os juízes.

Que atitude deve um partido operário internacionalista adoptar em relação a uma guerra imperialista?

O militante revolucionário James P. Cannon foi um dos vinte e oito dirigentes norte-americanos do Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP) e do Sindicato dos Trabalhadores de Minneapolis levados a tribunal em 1941 por propaganda a favor da insubordinação nas forças armadas e “conspiração para derrubar o governo“.

Nessa altura, o governo norte-americano, dirigido por Roosevelt (Partido Democrático), preparava-se para a guerra. Convidou as organizações de trabalhadores a abandonarem as suas reivindicações e a juntarem-se à bandeira nacional, em nome da defesa da democracia, ameaçada pelo fascismo. No julgamento destes militantes, em Outubro de 1941, James P. Cannon fez uma defesa política em nome do seu partido, que continua a ser um exemplo de posição operária verdadeiramente independente e anti-capitalista sobre a guerra imperialista e sobre a política a seguir contra o “seu” próprio governo.

Reproduzimos abaixo alguns extractos.

Acta oficial do depoimento de James P. Cannon no julgamento por “sedição” em Minneapolis. Tribunal Distrital dos Estados Unidos. Distrito de Minnesota. Quarta Divisão.

Quarta-feira, 19 de Novembro de 1941. Sessão da manhã.

Inquirição da testemunha pela defesa (continuação).

(…) Sr. Goldman (advogado de James P. Cannon – ed.) – Sr. Cannon, pode dizer-nos qual é a posição do Partido Socialista dos Trabalhadores sobre as causas das guerras modernas?

As guerras modernas, na opinião do nosso partido, são causadas pelo conflito entre nações imperialistas por mercados, colónias, fontes de matérias-primas, campos de investimento e esferas de influência.

Sr. Goldman – O que quer dizer com “imperialista”, Sr. Cannon?

As nações capitalistas que exploram, directa ou indirectamente, outros países.

Sr. Goldman – Qual é a posição do partido sobre a inevitabilidade da guerra no sistema capitalista?

Enquanto o sistema capitalista subsistir, e com ele estas condições que mencionei, que decorrem automaticamente do sistema capitalista e imperialista, as guerras, as guerras periódicas, são inevitáveis.

Sr. Goldman – E a oposição à guerra de alguém, incluindo a do Partido Socialista dos Trabalhadores, pode impedir as guerras sob o sistema capitalista?

Não. O nosso partido sempre declarou que é impossível evitar as guerras sem abolir o sistema capitalista que as alimenta. Pode ser possível adiar uma guerra durante algum tempo, mas, no fim de contas, é impossível evitar as guerras enquanto subsistir este sistema e os conflitos entre nações imperialistas.

Sr. Goldman – Então é verdade que o partido considera que as guerras são causadas por conflitos económicos internacionais e não pela boa ou má vontade de alguns povos?

Sim. Isso não elimina a possibilidade de ataques imprevistos, provocados pela acção deste ou daquele grupo dirigente deste ou daquele país, mas, fundamentalmente, as guerras são provocadas pelos esforços de todas as potências capitalistas para obterem outros espaços para se desenvolverem. A única maneira de o conseguirem é tirando-os a outra potência, porque o mundo inteiro foi dividido entre um pequeno número de potências imperialistas. É isto que conduz às guerras, independentemente da vontade dos povos.

Não afirmamos que os grupos dirigentes de qualquer das potências imperialistas actualmente em guerra queiram realmente a guerra. Já dissemos muitas vezes que eles teriam preferido evitá-la; todavia, mantendo ao mesmo tempo o sistema capitalista nos seus países, não podiam evitá-la.

Sr. Goldman – Qual é a atitude do partido em relação a uma guerra que define como imperialista?

O nosso partido opõe-se firmemente a todas as guerras imperialistas.

Sr. Goldman – E o que significa essa oposição às guerras imperialistas?

Com isto queremos dizer que não apoiamos qualquer guerra imperialista. Não votamos a favor dela; não votamos em ninguém que a promova; não falamos a favor dela; não escrevemos a favor dela. Estamos em oposição a ela. (…)

Sr. Goldman – Pode explicar por que razão o partido não apoiaria uma guerra conduzida pela actual administração americana?

Em geral, não temos confiança no grupo capitalista no poder neste país. Não os apoiamos porque não acreditamos que possam ou queiram resolver os problemas sociais fundamentais que têm de ser resolvidos para evitar que a civilização se afunde.

Acreditamos que a transição social do actual sistema capitalista para a ordem muito mais eficiente do socialismo só pode ser alcançada sob a direcção dos trabalhadores. Os trabalhadores devem organizar-se independentemente dos partidos políticos capitalistas. Devem organizar um grande partido próprio, desenvolver um partido da classe trabalhadora, independente, e opor-se às políticas dos partidos capitalistas, independentemente de se chamarem Democratas ou Republicanos, ou o seja o que for.

Sr. Goldman – Como veria uma guerra iniciada pelo actual governo dos Estados Unidos?

Considerá-la-ia uma guerra capitalista.

Sr. Goldman – Porquê?

Porque a América actual é uma nação capitalista. É diferente das outras apenas por ser mais forte do que as outras e maior. Nós não acreditamos na política capitalista.  Não queremos conquistar colónias.  Não queremos derramamento de sangue para dar lucro ao capital americano.

Sr. Goldman – Qual é a posição do partido relativamente à afirmação de que a guerra contra Hitler é uma guerra da democracia contra o fascismo?

Dizemos que é um subterfúgio, que o conflito entre o imperialismo americano e o imperialismo alemão é um conflito pelo domínio do mundo. É absolutamente verdade que Hitler quer dominar o mundo, mas pensamos que também é verdade que o principal grupo de capitalistas americanos tem a mesma ideia, e nós não somos a favor de nenhum dos dois.

Não pensamos que as sessenta famílias que são proprietárias da América queiram entrar em guerra por um qualquer princípio sagrado da democracia. Pensamos que eles são grandes inimigos da democracia aqui no nosso país. (…)

Sr. Goldman – Qual é a posição do Partido em relação a qualquer inimigo capitalista dos Estados Unidos, como a Alemanha ou a Itália?

Não somos pró-alemães. Não temos absolutamente nenhum interesse no êxito de qualquer dos inimigos imperialistas dos Estados Unidos.

Sr. Goldman – No caso de um conflito entre os Estados Unidos e a Alemanha, a Itália ou o Japão, qual seria a posição do partido sobre a vitória ou a derrota dos Estados Unidos contra os seus inimigos imperialistas?

Bem, não somos certamente favoráveis a uma vitória do Japão ou da Alemanha, ou de qualquer outra potência imperialista, sobre os Estados Unidos.

Sr. Goldman – Então é verdade que o Partido se opõe tanto a Hitler como às declarações capitalistas dos Estados Unidos?

Não há qualquer dúvida sobre isso. Consideramos Hitler e o hitlerismo o maior inimigo da humanidade. Queremos varrê-lo da face da terra.