O que todos escondem: o povo ucraniano está farto da guerra!

Na foto: 34 evadidos detidos na fronteira entre a Ucrânia e a Roménia em 8 de Março (The New Voice of Ukraine).

Ajudar o povo ucraniano“: da boca dos chefes de Estado, ministros, generais e outros responsáveis da NATO não se ouve outra coisa. Assim como, aliás, das dos deputados de “esquerda” que, semana após semana, votam a favor de novas ajudas militares à Ucrânia. Enquanto isso, da boca do povo ucraniano sai, cada vez mais abertamente, que está farto da guerra.

Após quase dois anos de guerra, a audiência e a confiança no Telemarathon United News (um programa de televisão patrocinado pelo governo ucraniano) caíram a pique – de 40% no fim de 2022 para 10% actualmente -, sinal de um desencanto popular crescente em relação ao governo, à medida que a vitória no campo de batalha se torna mais improvável. Antes visto como um “instrumento crucial para manter o país unido“, é agora cada vez mais ridicularizado como mero porta-voz do governo, que difunde uma imagem cor-de-rosa da guerra e esconde os preocupantes desenvolvimentos na linha da frente e o cada vez menor apoio do Ocidente à Ucrânia. “Toda a gente está farta desta imagem a dizer que: ‘estamos a ganhar, toda a gente gosta de nós e dá-nos dinheiro'”, diz Oksana Romaniuk, directora do Instituto de Informação de Massa, com sede em Kiev, uma organização de monitorização dos meios de comunicação social. “É propaganda do Estado“.

É neste quadro de desconfiança crescente que o presidente ucraniano, Zelensky, tenta aprovar uma lei que torna mais rigorosas as condições de alistamento militar.  Anunciou que precisa de incorporar 500.000 novos soldados para a carnificina. As ruas das cidades e aldeias da Ucrânia são palco de rusgas para apanhar milhares de homens e enviá-los para a frente de batalha.

O Washington Post (19 de Março) relatou a partir de Makiv: “Nesta aldeia do Sudoeste da Ucrânia, restam poucos homens em idade de combater e os que restam têm medo de ser recrutados a qualquer momento. Os seus vizinhos já estão metidos em trincheiras na linha da frente, centenas de quilómetros mais a leste. Alguns foram mortos ou feridos. Muitos estão dados como desaparecidos.

Outros habitantes desta região rural (…) fugiram para o estrangeiro ou encontraram formas de evitar a guerra, quer beneficiando de isenções legítimas, quer escondendo-se. (…) Os habitantes utilizam os canais da rede social Telegram para alertar para a presença de soldados e partilham vídeos de tropas a obrigarem homens a entrarem nos veículos, o que alimenta boatos de raptos. Alguns homens estão a cumprir penas de prisão por refractários. “Apanham os homens pelas ruas, como cães”, disse Olha Kametyuk, 35 anos, cujo marido, Valentin, de 36 anos, foi recrutado pelos soldados em Junho.” Ao contrário de muitos outros, teve a “sorte” de voltar vivo… mas gravemente ferido, refere o jornal.

Nas redes sociais circulam vídeos que dizem mostrar drones da guarda fronteiriça usados para capturar grupos que procuram fugir à incorporação, atravessando as fronteiras.

Um grupo de activistas internacionais de Kharkov, no leste do país, relatou nas redes sociais as palavras de Oksana Prikhodchenko, uma mãe: “Aconteça o que acontecer, não entregarei o meu marido nem o meu filho a este massacre. Que vá para as trincheiras quem acha que tem de defender sabe-se lá o quê, em vez de obrigar os outros a segui-los“. Os activistas comentam: “Um sinal, que cada vez mais se espalha, do clima anti-guerra que se está a desenvolver.”

Também eles falam das constantes rusgas: “Perto de Zenkov, uma aldeia da região de Poltava, cerca de quatro ou cinco unidades armadas saem todos os dias à rua para prender jovens“.

Na Ucrânia, tal como na Rússia, explicam estes activistas anti-guerra, Putin e Zelensky não poupam na propaganda “patriótica” para justificar o recrutamento de dezenas de milhares de trabalhadores e jovens para a frente de combate.

Os militantes concluem: “A glorificação da guerra como oportunidade para fortalecer a nação e purificá-la de todos os ‘maus elementos’ é, na Ucrânia como na Rússia, igual ao discurso que esteve em voga durante a Primeira Guerra Mundial nos Estados beligerantes. Como a guerra actual difere muito pouco da Primeira Guerra Mundial, nada nos diz que não vá terminar da mesma maneira. Desejemos aos novos czares Volodia1 um novo 1917!

  1. Volodia é o diminutivo de Vladimir, o nome próprio tanto de Putin como de Zelensky. ↩︎
Traduzido e adaptado de Dominique Ferré, La Tribune des Travailleurs nº433.