Porque (não) votar nas eleições para o “Parlamento Europeu”?

Neste dia 9 de Junho, os eleitores dos vários países membros da União Europeia são chamados a eleger deputados ao “Parlamento Europeu” (PE). As aspas à volta de “Parlamento Europeu” são obrigatórias. A seguir explicamos porquê.

Nós, da PPT, deste jornal, faremos como a larga maioria dos trabalhadores portugueses e da maior parte dos países da UE há décadas faz: não votar. Eis as nossas razões.

1. Nenhum dos partidos concorrentes se bate pela ruptura com a União Europeia e as suas políticas, que têm trazido constante austeridade e privações à grande maioria.

2. E todos os partidos concorrentes em Portugal, sem excepção, apresentam “programas” em que prometem ou exigem tais e tais benesses para o povo e garantem que, em Estrasburgo, se vão bater por essas benesses e contra variados males.

3. É uma mentira. Uma mentira que todos eles, da extrema-direita à “extrema-esquerda”, levam a ombros, em cacofónica, mas boa harmonia.

A verdade é muito mais simples: sejam quais forem os resultados, o “Parlamento Europeu” não vai fazer nada do que eles prometem.

Há duas razões para isso:

a) o PE não tem poder de iniciativa legislativa: não pode propor e elaborar leis; ora, esse é o poder que define qualquer parlamento no mundo;

b) o PE não tem poder de decisão sobre a maior parte das iniciativas legislativas que discute. Nalgumas matérias, “co-decide” regulamentos e directivas que a Comissão Europeia prepara no segredo dos gabinetes e que o Conselho Europeu, que reúne os chefes de Estado e de governo, decide em negociações de bastidores.

Como disse recentemente o insuspeito ex-“eurodeputado” (do PSD) Pacheco Pereira, até os relatórios e papéis vários produzidos e votados pelo “Parlamento Europeu” são, na realidade, controlados e redigidos pelo aparelho de funcionários permanentes do PE, não pelos deputados.

Os “eurodeputados” são, assim, figurantes de uma grandiosa encenação, de um (caríssimo) teatro de sombras montado para fazer crer aos cidadãos que a União Europeia tem alguma coisa de democrático.

4. Mas não tem. Pelo contrário, a UE é o cilindro compressor da democracia na Europa. Para começar, União Europeia é o nome pomposo e enganador escolhido para designar um conjunto de tratados, regulamentos e instituições internacionais acordados entre (alguns) países europeus, para cuja elaboração os respectivos povos não foram tidos nem achados.

A única coisa que esses tratados, leis e instituições “unem” é o primado absoluto da privatização e o poder económico absoluto dos mercados de capitais e dos grandes grupos económicos.

5. Mais: no plano político, o objectivo e efeito desses tratados é exactamente desmantelar progressivamente os elementos de democracia que ainda subsistam à escala nacional em cada país e que representem obstáculos ao funcionamento livre dos “mercados”.

6. Não é só, com efeito, que o “Parlamento Europeu” não decida nada; é que o sistema da UE transformou os parlamentos e governos nacionais em meras caixas registadoras e executoras das grandes decisões tomadas em Bruxelas por políticos e burocratas não eleitos, aquartelados na Comissão, no Conselho, no Banco Central Europeu e em vários outros organismos e agências obscuros, que ninguém controla.

7. O desprezo pela democracia que está no centro da UE e é a sua essência manifestou-se memoravelmente no início de 2015, quando as eleições nacionais na Grécia, invadida pela troika, levaram ao poder a coligação Syriza (semelhante ao Bloco de Esquerda), com um programa de rejeição da austeridade imposta pela troika.

Na altura, dois dirigentes importantes da União Europeia fizeram declarações que causaram alguma celeuma. O ministro das finanças alemão, Schäuble, personagem central do “eurogrupo” dos ministros das finanças, reagiu secamente ao resultado eleitoral: Eleições não mudam nada. Há regras. O então presidente da Comissão, o luxemburguês Jean-Claude Juncker sentenciou por seu lado: Não pode haver escolha democrática contra os tratados europeus….

Na Grécia, ou onde quer que seja, o povo pode votar o que quiser. Porém, o governo que saia das eleições, seja ele qual for, há-de de dobrar-se às troikas e “critérios” de Bruxelas (em Portugal, já se vê, não é diferente).

Em 24 horas, o Syriza dobrou-se, de facto, traindo o voto expresso do povo: mais de 60% da população votara em referendo (convocado pelo próprio Syriza) para rejeitar o plano da troika. O Syriza pagou-o. O povo grego varreu-o do poder pouco depois.

8. Entenda-se: a questão não está em “nacionalismo” contra “federalismo” ou “europeísmo”. Não está em: “soberania nacional” versus “soberania partilhada entre povos europeus”.

Está em saber onde reside a soberania: o artigo 3º da Constituição portuguesa reza que “A soberania, una e indivisível, reside no povo (…)”. Repare-se: “una e indivisível”. “Soberania partilhada” (ainda que fosse verdade) é o contrário exacto de “una e indivisível”. Os tratados europeus violam abertamente o principal preceito da Constituição portuguesa ao retirarem a soberania, una e indivisível, ao povo…

Mas o princípio subjacente à União Europeia nem sequer é o de a soberania passar a ser “partilhada” entre povos. É de a soberania passar dos povos para os mercados de capitais e as suas instituições.

Instintivamente, os povos europeus sentem-no. Por isso, abstêm-se em massa. Abster-se não basta, decerto; mas nisso têm razão.